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A vida de Mala Aviada

A vida de Mala Aviada

Refúgio de vida - história, Alice.

Sentada na mesa rabisco a folha de papel que a envolve. O chá arrefece, os biscoitos mantêm-se no mesmo sítio e a vida continua a passar.

Passa-me ao lado, penso eu. Talvez porque a chuva já não tenha o mesmo encanto que teve quando  passeavamos por ela de dedos entrelaçados - um hábito que pouco a pouco se foi perdendo como a poeira se perde no deserto.
O casaco castanho mantém-se quieto e permanece cheio de cor, cheio de cheiros - o teu continua aqui, presente; envolto sobre e sobe a mesa, a meu lado.
Nos meus gestos denoto a incapacidade de continuar sem ti, de repetir sem alternar gestos e palavras: percorrer as ruelas em dias soalheiros não tem significado, olhar as estrelas e entende-las é me difícil agora. O amanhã agoira novo dia de nada, de não ser e de não fazer: deixo as decisões penduradas atrás de mim, na porta por onde saio para ver a linha ténue de vida na cidade. A história acompanha-me no bolso do casaco castanho que cheira a nós; a caneta está sempre do lado esquerdo e sempre à mão. Mas para quê solver-me em letras e parágrafos se já não estás para leres e desabrochares sorriso de lábios finos em pequenas doses?
Já não pousarás a tua mão de pele branca sobre a minha, mais escura. O meu cabelo não te fará mais cócegas na face nem na testa. Não sinto o teu abraço nem o teu perfume, tal como deixei de sentir o pulsar do sangue que jorrava por ti a cada instante.
Musa de letras e de entendimentos que me deixou arrefecer o coração: este pedaço de pedra escura que trago aqui não faz mais que carregar o peso de te ter deixado partir, um dia. Um como qualquer outro em que o chá fervia e os livros se abriam.
Havia tantas razões para te ter, te querer, te amar, te reconhecer e todas elas... Foram. Foram com o vento que sopra na tarde escura de Outono que prepara a cidade para o vazio.
Alice, já me havias dito. E eu não o levei a sério. Tudo o que queria passava por ti, mas tinhas razão: que a arte não se torne para ti a compensação daquilo que não soubeste ser. Que não seja transefrência nem refúgio. Mas foi, tal como tu foste. Alice.
 
 

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Mundo de metal e rastos de açúcar sobre a mesa. Gostas de mim, Rita?

 

Quero abraçar o mundo. Já alguma vez quiseste abraçar o mundo, Rita?
Hoje disseste-me que podia fazê-lo: deste-me uma caixa de metal e disses-te: este pode ser o mundo - metaforicamente falando referiste tu!.
Deste-me o mundo a abraçar quando o queria, deste-me razões suficientes para me querer abraçar a ele e querer partilhá-lo contigo.
Formámos uma nova concepção dele, não foi? E tu, Rita, olhaste para mim e sorriste: desenhaste mais um rasto de linha de açúcar em mim.
Abraça-o, disseste tu: e foi o que fiz. Mesmo sabendo que abraçá-lo seria perder-me nele.
Divagações, Rita? Gostas de inventar divagações ou preferes adoptá-las como concepções?
Novas e melhores concepções do que nos rodeia, do que criamos juntas.
23 cores de que gostas, 23 que me fazes tocar com as minhas pestanas. Vem tudo num pacote amarfalhado, cheio de muitas coisas: tampinhas de garrafas, lapiseiras perdidas, pontuação expressiva, palavras conseguidas, mousse de chocolate de leite, relógios trocados, cores de comboios a passar onde existem mais de 4 caminhos, mochilas grandes e uma máquina fotográfica.
Acabo com o segundo galão e permaneço com o mundo nas mãos - não fisicamente; olho para ti, Rita: gostas que olhe para ti? Importaste que olhe para ti, Rita? 
Penso muito devagarinho e com letras maiúsculas: É ELA.
Depois... Depois penso em lugares e as nossas mãos juntas. Faço poesia informal e tu chamas ao meu estado psicológico poético.
"Ela hoje está com aquele estado...poético".
Defines coisas e eu percebo-as, Rita. Será que somos boas a intersectar sinais? Melhor do que informação?
Sou curiosa. És curisosa, Rita? Podia filosofar sobre isto e aquilo, sobre curiosidade, mas não posso, não quero: não gostas de filosofia. Mas a Sandra gosta, não é? Rapariga interessante, a Sandra. Mas não gosto do nome dela. Gosto mais de Rita. Gostas mais de Rita ou de Sandra?
Encadeio mais pensamentos e emoções: agora quero fundir-me em ti. Deixas? Posso? Permites que caiba em ti como tu cabes em mim?  
É como naquela noite. Se lhe desses uma cor, que cor lhe darias? Branco, porventura. Não era, Rita?
Sabes no que é que sou relutante, Rita? Em comer Éclaires em Portugal. E também aqueles cones de créme com açúcar em pó por cima. Tenho a certeza que foi por isso que não comi um Éclaire esta tarde, ou um daqueles cones. Compreendes agora, Rita? Relutância. É uma palavra um bocado desaprovadora, não concordas?
Hoje achei que deviamos viver num livro e dormir dentro do O. Ou talvez num pincel e passar o dia a fazermo-nos cócegas com as suas partículas. Talvez aprendessemos mais sobre a arte.
O que sabes sobre arte, Rita? Eu sei muitas coisas: havia um tipo que era um génio e se suícidou - os quadros dele dão-me arrepios. Há um vídeo de uma menina bonita que me faz lembrar arquitectura gótica: é rico em jogos de luz. As vanguardas europeias fizeram chegar a Pop Art uns anos mais tarde. Gostas de Pop Art, Rita? Um dia levo-te ao museu e vou explicar-te porque é que gosto de Pop Art. Mas não quer dizer que também gostes: somos parecidas, mas não iguais.
Rita?
Gostas de mim, Rita? Não sei. Se calhar assusto-te com divergências de humor. Mas eu não quero que te assustes.
Sabes o que me assustava quando era pequena? Helicópetros. Faziam muito barulho. Mas gostava muito de relva. Acho que tu também gostas, não é Rita?
Como é que será a relva em  Paris? Talvez mais verde, como as minhas sapatilhas novas.
Queres fugir comigo para lá? Podiamos vestir saias todos os dias, daquelas que gostamos e usar boinas e ler poesia e pintar aguarelas. Gostava de fazê-lo contigo Rita. Só contigo. Porque afinal, és tu que me faz querer abraçar o mundo e me dá coragem para aguentar tudo o que está de mal por agora; não é que esteja tudo mal, mas acho que já não estou no sítio certo. Sempre queres vir comigo? Podes usar as minhas sapatilhas verdes: eu calço os chinelos de cabedal.

 

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