O sol escureceu atrás daqueles prédios, lá ao fundo. Sento-me, sozinha, na companhia de mim mesma e ouço o chilrear dos pássaros nas árvores grandes que esverdecem à minha frente. Por baixo passam pessoas, cães, carros, motas e barulho. Tanto barulho. Ella foi hoje embora; voltei para casa depois de comprar cadernos pequenos que me fizeram sorrir quando lhes peguei, pensei entrar nos CTT dos Aliados, pensei entrar no Green Tea da Boavista para um resfresco, pensei apanhar o autocarro até casa, pensei ser designer há dois anos, pensei saber do que gostava há umas horas, pensei que fosse acabar o trabalho de Paris hoje. O tempo trespassa-me deixando marca alguma nas minhas roupas, por ventura, nem na minha existência. Os pensamentos, tresloucados, pouco seguros, incertos de um caminho a seguir, pousam a ponta dos pés num chão escorregadio e vidrado - vão movendo-se à velocidade da luz sem me deixarem aproximar e lê-los, vão de um extremo ao outro, vão para onde não os quero seguir. Entretanto, escurece lá fora e eu permaneço sentada na cadeira que tem a almofada violeta que a mãe d'ella não gosta. Os pássaros desde a primeira linha escrita, deixaram de chilrear; ladra o cão do vizinho, passa o gato negro na parede e eu, eu continuo sozinha. Sentada. À espera que as e vinte e cinco cheguem para futilmente me deixar arrastar para a cama do quarto e carregar no oito do comando, esperar que tudo aconteça na caixinha mágica, na vida dos médicos fantásticos, esperando que a minha vida passe, leve por mim, como tempo o faz. Esperar que os pensamentos escorram, que o temperamento fique, que a saudade se abstenha. Sentada, à espera do jantar, é assim que estou. E a música lamenta-se no eco da minha certeza: cry on 'til there's nothing more....