Tarte de framboesa com gelado
E depois vens tu Rita: de mão dada com a Maria David, com sorrisos esvoaçantes como os vossos vestidos primaveris. Agarro na mala de couro que me ofereceste nos anos e onde guardo, como sempre, as aguarelas miniaturas.
Sinto o teu perfume a rumar até mim - oh bons velhos cheiros que continuais sem ter uma caixa e viveis apenas numa memória que se deixa escorregar por leves pensamentos mais velhos - e o olhar da piquena muito brilhante:
- Mamã! Mamã! Olha o que eu tenho! Um chupa corolido gaaaande como um balão!
- Oh meu amorzinho! És tal e qual como eu!
Beijo-lhe a face rosada de menina pequena das mamãs. Aquele ar de quem não tem nariz impinado, que tem um mundo escondido atrás da porta do armário e de que quer contar tudo o que se passa e contá-lo com a sua própria visão das coisas.
Dás-me também um beijo na face.
- Como te correu o dia amor?
- Primeiro, quero muito dizer-te o quanto tive saudades tuas e dela; depois quero dizer-te que hoje vou fazer tarte de framboesas com amendoas acompanhadas de gelado de baunilha e que depois disso espero uma noite em branco debaixo de lençóis coloridos. Agora: o meu dia correu terrivelmente depressa e cada vez gosto menos de ter que repetir para se calarem.
Sim, porque a vida levou-me para as artes da educação da história da arte e, por muito simpática que seja, aqueles miúdos não aprendem a calar as cordas vocais nem quando falo na brincadeira. Quero voltar para o museu.
- Mamã: deixas-me bincar com as patilhas novas na relva? Sim? Quelo bincar com a Zukkini com as patilhas novas! E depois vou fazer um disenho para o Manu. Impestas as tuas agualelas?
Fala tão bem com dois anos, dois meses e quatro dias.
O teu dia, contas-me tu, por muito folgado que esteja rotulado, não se torna menos empolgante: arrumar a casa, passear o cão, fazer almoço para as duas, corrigir testes, tentar contratar o novo empreiteiro lá para casa...
- Nada de novo, apenas um mais caro do que o outro mas que trabalha melhor. Não existe, definitivamente aquele triângulo de barato-bom-rápido.
A vinda de um novo membro para a família é a causa deste reboliço: em breve o pretendido Manu Bertrand estará em casa. Depois de algumas viagens a lares por toda a parte a doçura chegou-nos quando, no alpendre da casa branca, um menino de cabelo ondulado pela testa e sorriso de meia laranja virou a cara e sorriu para nós:
- Querem ser as minhas mamãs?
Levávamos a pequena Maria David no colo e ela, aparentemente, simpatizou logo com o piqueno.
- Olá, eu sou a David. E tu? Como te chamas?
Os nossos olhos brilharam ao mesmo tempo - é este. Tinha de ser este.
Tratamos dos papéis com a maior velocidade possível, soltavamos risadinhas cada vez que pensavamos nele e na nossa família a crescer.
Um cão, um gato, uma pirralha simpática como o sol, duas amantes há muito juntas...
Manu, deverias chegar hoje para poderes provar tarte de framboesa com gelado. E com sorte, não serás como todas nós: sinosite e rinite tudo em três.
Serás o nosso piqueno arquitecto de sonhos que nos farão lançar, todos os dias, pó de açúcar para poder criar as vigas dos teus sonhos.